O
CRISTIANISMO E OS PADROEIROS DE
MAZAREFES
S. Paulo teve intenção de vir à Península (Rom.
15,24-28), mas ninguém sabe se chegou a concretizar ou não a viagem. S. Tiago é
o que se sabe. Não vamos falar dos caminhos de
Santiago. (No entanto, um testamento do séc. XVII, suponho que da
família de A . Forte, meus vizinhos e que li quando andava no Seminário dizia
que deixava bens a quem fosse por si a Santiago após a sua morte, uma vez que
não o pôde fazer em vida).
Por ocasião das perseguições de Décio, no Séc III
havia várias dioceses na Península Ibérica. Em princípios do século IV houve um
Concílio peninsular e no séc V o bispo de Braga esteve presente no Concílio de
Toledo (ano 400). É, por isso, muito provável que no século V houvesse já
numerosos cristãos nesta zona da Península, inclusivé em Mazarefes.
Nessa altura já tinham passado muitas gerações sobre
a quebra do mito a propósito do Rio Lima que o corajoso Décimo J. Bruto
ultrapassou. A invasão da Península, em 411, não veio alterar muito os hábitos
romanizados...
No século VI, vindo do Oriente, S. Martinho, bispo
de Dume, ajudou com zelo apostólico, firmeza e dedicação a conversão dos suevos
e a purificação das superstições ainda conservadas do paganismo nesta zona.
Também, em meados deste século, realizou o 1º Concílio de Braga.
S. Simão teria sido o primeiro padroeiro da
freguesia, pois os castrejos, habitantes pré-romanos, teriam já deixado, a
alguns séculos, os altos dos Montes e o vale do Lima teria sido procurado não
só para a agricultura colectiva, como também zona habitacional e o rio para a
pesca. S. Simão era o apóstolo, advogado das tempestades e dos afogamentos e
não o S. Simão estilita, aliás, como é natural porque os cristãos de Mazarefes
dedicavam-se também nessa altura, a actividades aquáticas (à pesca, à extracção
do sal e ao transporte pelo rio...).
A existência da actual Capela e documentos antigos,
um deles de 985 (um dos poucos, anterior à nacionalidade), 1220, 1258, 1290,
1320, 1402, 1528 e 1551 mostram-nos que S. Simão de Junqueira era de tempos
imemoriais: foi vila, foi couto, freguesia e a existência de dois padroeiros:
"Sam Simam de Junqueira que se ora chama Sam Nicolau de Mazarefes."
Não se trata de duas freguesias, mas uma única
freguesia de S. Simão da Junqueira de Mazarefes ou S. Nicolau de Mazarefes. Os
seus limites, em 1063, seriam com Sabariz, Vila Fria, Darque e Anha.
O
documento mais antigo existente e anterior à nacionalidade, é de 985, século X,
segundo consta de alguns autores de incontestável mérito. Este documento é uma
doação das terras da vila de Mazarefes aos frades beneditinos de Ante Altares
de Santiago de Compostela.
“985,
doação do conde Telo Alvites «in hora maris villa vocitata Mazarefes cum
domibus (...) et cum suas salinas», a que, em 1603, Fernando Magno deu carta de
couto: «in villa Mazarefes incipimus terminis id sunt (...) inter Gundulfe et
Mazarefes (...) dividet inter Savariz et Villa Fria et Mazarefes (...) dividit
inter Agnea et Mazarefes (...) Rio Covo (...) illa Junqueyra et inde in derecto
at Limia recto estariz de Foz Maiore» («Arq. Port.» XXVII, ps150-154). D.
Fernando deu carta de Couto, na vila dos Arcos de Valdevez, a Mazarefes.
A
presença dos Monges beneditinos é
incontestável, e não haverá dúvida que os monges deveriam ter propagado a
devoção a S. Bento. Alguns achados, disso nos dão conta. Mas a Vila de
Mazarefes já existia há mais tempo, e já se tinha perdido na memória dos
"avoengos".
A subida das águas do rio, a inundação das suas
margens devido ao assoreamento obrigaram os habitantes a refugiarem-se mais
para sul, em zona mais alta e longe das águas.
É tradição viva ainda falar-se do cemitério junto a
S. Simão. A calçada romana entre S. Simão e o antigo Passal onde acaba a Veiga
e começam as bouças, ainda a conheci. Fala-se da última casa de Mazarefes
quando a população se distribuía à volta da Capela de S. Simão como sendo no
local onde hoje é a casa do "Necas Reis" e a primeira depois de toda
a freguesia passar para cima. A primeira casa a construir-se mais a sul da casa
do “Necas Reis” teria sido a casa das “Capotas”. É vulgar na Veiga, nos
esteiros e nos muros encontrarmos pedras trabalhadas, antigos tranqueiros de
portadas de quintais ou de casas. Como foram lá parar... não é difícil, apenas
lá foram abandonadas e, caídas em ruínas, serviram, mais tarde, para parede
umas, e outras estão, ou encontram-se, enterradas nos esteiros. Assim, observei
na minha infância quando andava lá com o gado, e na minha juventude, quando
comecei a interessar-me por estes assuntos.
Depois dos habitantes terem abandonado a zona baixa
e terem ao lado a Capela da Senhora dos Prazeres, no lugar da Senhora, que
depois lhe deram o nome de Nª Sra. das Boas Novas, após a imigração para o
Brasil, não admira que a igreja do ex-convento começasse a servir a população.
Esta freguesia teve por isso dois padroeiros, talvez
mais tempo usufruiu do patrono S. Simão desde o século X, se não remontar ao século IV ou V, até ao
século XVI, altura em que passou a existir alguma dúvida entre S. Simão e S.
Nicolau. Esta dúvida deveria manter-se até ao séc. XVIII, segundo podemos
deduzir de escritos do abade Matos.
O uso como igreja paroquial
foi facilitado pelos possuidores do domínio útil do mosteiro, os fidalgos
Pereiras e os Azevedos que tinham o direito de apresentação do abade.
Em
1551, o mosteiro e todos os bens vieram a pertencer aos Fidalgos «Pereiras», os
quais fizeram obras na Igreja. Depois vieram os «Azevedos» a serem os
possuidores, completando as obras que os «Pereiras» tinham começado, sobretudo
de talhas de altares.
A igreja de S. Nicolau passou a ser a paroquial e,
segundo diz o Abade António Francisco de Matos, daqui natural e pároco durante
50 anos, numa monografia que ele escreveu sobre Mazarefes, foi em 1724 que os
«Azevedos» oficialmente cederam a igreja, à freguesia.
Artur Coutinho
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