PELO SÃO MARTINHO
CASTANHAS E VINHO – MATA O TEU PORQUINHO José
Rodrigues Lima
As folhas tocadas pelo vento vão caindo neste tempo outonal.
A natureza saúda-nos com a paisagem onde os tons suaves nos levam, por
vezes, à contemplação do território das zonas ribeirinhas ou da montanha.
Estendemos os olhares para perto e ao largo, localizando manchas
arbóreas, autênticos soutos de carvalhos e castanheiros.
Estamos no período do ano para recolher as amêndoas, as nozes saborosas
e as castanhas para os magustos celebrados com vinho novo ou água pé, em
convívio familiar ou de boas amizades.
“Pelo São Martinho vai a adega e prova o vinho, e abatoca o teu
pipinho”.
E os rituais comprem-se como se fosse a primeira vez.
Os castanheiros oferecem-nos os ouriços arreganhados, e as castanhas
vão caindo uma a uma.
A garotada vai apanhando os frutos dos castanheiros, aquelas castanhas
que caiem à beira dos caminhos, nos campos ou nos soutos, onde canta a
passarada ao romper da manha “despertadora”, ou pelo fim da tarde
“recolhedora”.
QUENTES E BOAS
Mas se no ambiente da ruralidade há paisagem sonora e outonal, no meio urbano
há vozes anunciadoras:
“Olha a boa castanha… Quentes e boas.
Ah menina, eh menino… leve umas castanhinhas…
Prove…
São de Trás-os-Montes…
O preço é do ano passado… Ganhamos poucochinho…
São muito gostosas…”
A fumaça dos assadores estendesse pela avenida, pelo largo e entra
mesmo pela esquina da rua estreita.
Assim se vão saboreando as boas castanhas embrulhadas em papel de
jornal com notícias passadas, ou pelas folhas da lista telefónica já
ultrapassada.
Os vendedores de castanhas aí estão com a sua tipicidade e animando a
vida da gente apressada…
E ouvimos: “Mãe, apetecem-me umas castanhas quentinhas.”
E faz-se o regalo: “São muito boas.”
Os adultos também apreciam as castanhas pelo São Martinho acompanhadas
com o vinho da colheita do ano ou a celebrizada “água-pé”, ou a geropiga feita
segundo a tradição, do tempo dos avós que eram mestres na elaboração, lá em
casa.
VINHO QUE BASTE
Aqui pelo Minho, e noutras zonas vinhateira do país podemos ouvir,
traduzindo à sua maneira o gosto profundo ao vinho: “Não quero ricos cavalos, /
nem palácios reais; / só q’ ria ter uma adega / com vinte pipas ou mais”.
“O vinho alegra o coração do homem e às mulheres não desagrada, e não
faz mal nenhum”, assim se cantava cantochão.
É de citar a comunicação apresentada ao “Congresso Internacional de Etnografia”,
realizado em 1963, fruto da investigação de Fernando Castro Pires de Lima,
intitulada “O Vinho Verde na Etnografia”.
Desejando inserir-nos na importância do vinho na economia e nas
relações internacionais, merece destaque o artigo “Itinerário do primeiro vinho
exportador de Portugal para a Grã-Bretanha”, narrativa do Conde d’Aurora,
publicada na separata das Jornada Vinícolas, em 1962.
Escreve o citado autor: “O curioso livro seiscentista 1613, “The book
of carning and serving and all the feastes of the year for the servisse of a
Prince or other estate” – fala-nos, entre outros, dos vinhos servidos na
Grã-Bretanha, do célebre “Orey”, nome que davam os britânicos ao vinho verde”.
OS CINCO SSSSS
Consta no “Regimen Sanitatis Salernitanum”, dos séculos XI – XIII, que
o vinho deve ser forte formoso fragante fresco e frutado.
Mas se os habitantes de Salerno apreciavam o vinho saudável, em Monção
e Melgaço temos o “alvarinho”, que é fruto do território onde “o solo, o sol a
sabedoria, o sofrimento e o sossego,” produz o precioso néctar que “torna o
mundo lindo e inspira o artista”.
É sempre de lembrar António Correia de Oliveira, o nosso poeta de
Belinho, Esposende.
Assim, louva o vinho “Loiro fio de azeite a urgir-lhe o caldo; / Tragos
os de vinho a batizar-lhe o pão”.
O VINHO NA BIBLIA
O vinho é tratado na Bíblia tanto no Antigo Testamento como no Novo
Testamento: “No livro de Ben Sira podemos ler: “O vinho é como a vida para os
homens, se o beberes moderadamente. Que vida é a do homem a quem falta o vinho?
Ele foi criado para a alegria dos homens. Alegria do coração e júbilo da alma é
o vinho, bebido a seu tempo e moderadamente”.
Na Primeira Carta a Timóteo é lembrado ao discípulo de Paulo que beba
vinho: “Doravante não bebas só água, mas toma um pouco de vinho”.
É de sublinhar a importância do vinho nas bodas de Caná e na “Ultima
Ceia”: “Jesus tomou o cálice com vinho e disse: “Este é o sangue da Nova Aliança”.
O Pe. António Vieira no Sermão da Segunda Dominga da Quaresma diz que:
”O vinho é aquele cordial simples, medicado pela natureza para alegrar o
coração do homem”.
O nosso povo diz que “com pão e vinho se anda a caminho”; “pão pela cor
e vinho pelo sabor”
PRATICAS CEREMONIAIS
Nas festividades cíclicas, agrárias e sociais, o vinho é por excelência
o elemento sublimador da comensalidade, o poderoso referente da coesão social,
assim escreve Benjamim Pereira.
Em certas povoações, o namoro das raparigas só era permissível a
forasteiros, após o pagamento de determinada rodada de vinho aos presentes na
taberna da aldeia, sendo lhes passados, após o ritual, um género de passaportes
assinados pelos beneficiados e carimbados com o precioso liquido do fundo das
malgas.
A caneca e a malga permanecem sempre prontas na adega para serem
utilizadas, e alimentarem comentários da boa vizinhança, por vezes “juízos
sobre acontecimento das comunidades rurais” ou dos “falatórios”.
O Prior António Quesado, que for Pároco em Vila Franca, Viana do
Castelo, apreciado cultivador da amizade e da comensalidade dizia: “vinho bom,
com peso e medida, alegra a gente, faz bom ventre e limpa o dente”.
E dando largas ao seu perfil de bom conselheiro escreveu: “Quem ou copo
souber pedir conselhos,/ nem tristezas nem maleitas o consomem; / porque o
vinho, lá diz o evangelho / só da alegria e saúde ao homem”.
MATA O TEU PORQUINHO
Na economia doméstica da ruralidade a criação do porquinho ocupa um
lugar especial.
Faz parte da paisagem minhota o denominado “cortenho do porco”.
Comprado a tempo nas feiras é alimentado com hortaliça, bolota, farinha
milha e lavadura.
Engordado o porquinho para o São Martinho, concretiza-se a matança
festiva e em dia assinalável.
O matador, homem experiente nestas andanças, chega cedo, e depois de
“matar o bicho” vai-se ao trabalho: “sacrificar o animal”.
E segue-se todo o ritual trabalhoso e demorado.
Vem o “desmanchar”…
Saboreia-se o sarrabulho, os rojões, não faltando os pelouros, tudo
cozinhado por quem sabe da tradição e do bom gosto.
Faz-se o fumeiro com as apetitosas chouriças, chouriços e preparam-se
as carnes para as salgadeiras.
Os bons presuntos merecem uma atenção especial, e serão curados com boa
lenha e o frio.
O povo ainda dizia: “criar e matar o porquinho é ter o talho em casa”.
Sabemos que existe uma mudança social nos rituais apontados.
Pois que haja alegria que baste com castanhas, vinho e porquinho.
“Ande o sol por onde andar, o verão de São Martinho há-de chegar”.
É sempre uma satisfação recordar a lenda de “São Martinho, a capa e o
pobre”.
“No dia de São Martinho mata o teu porquinho, chega-te ao lume, assa as
castanhas e bebe o teu vinho”.
“Quatro castanhas assadas, / quatro pingas de aguardente, / quatro
beijos de uma moça, / fazem um homem contente.”
Assim regista Gabriel Gonçalves no “Cancioneiro Temático da Ribeira
Lima”.
José Rodrigues Lima - 938583275
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