Morte a
pedido, eutanásia, morte assistida.
Uma
petição apresentada à Assembleia da República, depoimentos publicados em
jornais, ou opiniões veiculadas pela rádio ou pela televisão, têm contribuído
para uma certa crispação e confusão da opinião pública.
Na
realidade, ao falar-se de morte assistida e de suicídio assistido está-se a
praticar uma grave confusão de conceitos. Morte assistida é aquela em que
alguém é assistente, companhia e ajuda. Neste sentido, ninguém quer morrer
sozinho, mas sim na companhia daquele(s) a quem escolhesse para o(a) acompanhar.
Na realidade, o que os proponentes de uma revisão da lei desejam é a
legalização da eutanásia, esta definida como a morte a pedido, que ocorre
quando alguém é morto por outrem após ter dirigido insistente pedido a esta
última pessoa (geralmente um profissional de saúde). O suicídio assistido, por
sua vez, consiste numa ajuda ao suicídio, quando a pessoa solicita a outrem que
lhe forneça os meios necessários para se suicidar. Do ponto de vista de
conceito e da prática, trata-se da mesma questão: alguém não quer continuar a
viver e solicita a outra pessoa que a mate ou lhe dê os meios necessários para
conseguir esse fim.
Dizem
os proponentes da legalização desta prática que ela se justifica (1) por a
pessoa ter o direito a dispor da sua vida e (2) por haver vidas em que o
sofrimento e a incapacidade retiram toda a qualidade e dignidade a essa mesma
vida. Por isso, doentes incuráveis, em grande sofrimento, lúcidos, deveriam ter
o direito de por termo à vida com a ajuda de terceiros.
Estes
argumentos não são consistentes, em primeiro lugar, porque a autonomia assim
invocada, enquanto capacidade de dispor da própria vida, nunca é absoluta,
antes deve ser entendida como autonomia relacional, modulada e influenciada pelo
enquadramento da pessoa no ambiente familiar, social e cultural em que vive.
Ninguém é dono de ninguém, nem sequer do próprio corpo, componente do seu eu
indissociável de todas as outras. A autonomia, em matéria de cuidados de saúde,
nunca é absoluta e, ainda que deva imperar no sentido da autodeterminação, circunscreve-se
sempre num âmbito relacional, mediada pelo estabelecimento duma relação
interpessoal
Quanto
ao argumento do sofrimento, este também não resiste à análise crítica. Se é
certo que muitas doenças evoluem com dor e sofrimento, também é verdade que a
medicina encontrou meios terapêuticos poderosos para afastar esses companheiros
da doença. Não obstante, e ainda que possa ser argumentável que haverá sempre
uma réstia de sofrimento ao qual a atual ciência não consegue responder, este
deverá, no nosso entender, impelir a uma procura de resposta efetiva. Certo é
que a medicina actual dispõe de meios para tratar todas as situações dolorosas.
Se
a eutanásia e a ajuda ao suicídio fossem legalizadas, as consequências seriam
desastrosas. É claro que seria necessário mudar radicalmente todo o
enquadramento legal, acabando o preceito constitucional de que a vida humana é
inviolável. O princípio básico do respeito pela vida, não como valor mas como plataforma
sobre a qual assentam todos os valores e direitos, seria irremediavelmente
fracturado. O atual enquadramento legal e ético-deontológico das profissões da
área da saúde teria de ser completamente revisto já que, pelo menos os códigos
deontológicos médicos e de enfermagem advogam a vida e defendem o direito da
pessoa doente e, como tal, o dever destes profissionais em promover a dignidade
e qualidade de vida da pessoa que padece de doença incurável e/ou se encontra em
fase terminal de vida.
Não
podemos ignorar, ao discutir esta questão, a experiência entretanto acumulada
nos três países em que, há cerca de dez anos, se encontra legalizada a
eutanásia – Bélgica, Holanda e Luxemburgo. A primeira constatação é de que
apenas nestes três países tal aconteceu; a imensa maioria dos estados do mundo
não seguiu o seu exemplo, talvez por se ter verificado que nestes três países o
enquadramento legal e a prática evoluíram no sentido de um alargamento e
banalização da eutanásia. Acresce ainda que associações internacionais (e.g.,
Organização Mundial da Saúde, Conselho da Europa e Associação Europeia de
Cuidados Paliativos) sustentam a premissa de que não se deve acelerar nem
retardar a morte, estando aqui implícita a negação das práticas de eutanásia e
suicídio assistido e obstinação terapêutica, respectivamente. A eutanásia, que
inicialmente e à semelhança do que agora propõem os signatários do manifesto,
ficava sujeita a regras restritivas e limitada a casos excepcionais, foi-se
tornando cada vez mais abrangente e facilitada, a ponto de abranger pessoas em
coma, inconscientes, pessoas com demências, e até menores de idade. Na Holanda,
neste preciso momento, o Governo prepara-se para legislar de modo a permitir a
eutanásia a pessoas não doentes, sem sofrimento, que devido à sua idade
avançada entendam desejar ser mortas na incerteza de virem a adoecer ou de
ficarem diminuídas ou incapazes.
Acontece
ainda que as autoridades médicas rejeitam a eutanásia (os cinco bastonários da
Ordem dos Médicos ainda vivos pronunciaram-se neste sentido) por entenderem que
o dever do médico é respeitar a vida do doente, prestar-lhe todo o auxílio e
cuidado, garantindo a melhor qualidade de vida possível e uma morte digna,
serena, sem dor nem sofrimento. Isto é possível e constitui o objectivo a
alcançar.
Não,
a eutanásia não é a solução e a sua legalização teria consequências
catastróficas para nós, enquanto indivíduos e cidadãos.
Instituto de
Bioética da Universidade Católica Portuguesa – Porto
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