Luz entre os homens
A ARQUITETURA SACRA
Entre as obras humanas que permitem manifestar a luz do evangelho e levar os homens a glorificar a Deus pela beleza que elas manifestam estão as de arte sacra. O Catecismo da Igreja Católica afirma que “a verdadeira arte sacra leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus, Criador e Salvador, Santo e Santificador”. Na verdade, a vocação da arte sacra é “evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus” (n. 2502). Gostaria todavia de destacar a arquitetura sacra e o seu significado como expressão da fé.
Grandes mosteiros ou santuários, igrejas antigas ou modernas, pequenas capelas e ermidas são alguns exemplos de arquitetura sacra. Foram construídos para exprimir a fé e para serem lugar onde ela é alimentada em pequeno grupos, grandes assembleias, momentos familiares ou nos atos pessoais de meditação ou de oração. Ao construir uma edifício sagrado, os crentes marcam e delimitam um determinado espaço que consagram a Deus, para nele Lhe prestarem culto, O escutarem e Lhe falarem. Como muito bem diz Nuno Higino, toda a igreja “é uma representação humana do divino. É uma mediação humana apontando o próprio Deus. Deus não precisaria de nenhuma casa para habitar, porque ‘os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade’ (Jo 4, 23). Mas à condição histórica do homem convém a representação. A casa de Deus é a casa dos homens. ‘Assente no chão’, ‘atenta à beleza e à diversidade da imanência’, a casa de Deus é feita ‘para habitação da eternidade’ (Sophia Andresen)”.
Os templos são ao mesmo tempo “casa de Deus” e casa da comunidade cristã. Casa de Deus, porque Ele aí se manifesta e acolhe os seus filhos. Mas não fica prisioneiro do espaço sagrado, como bem afirmou S. Paulo aos atenienses, quando lhes disse que “o Altíssimo não habita em casa erguida pela mão do homem” (Act 7, 48-49), pois Ele está presente em todo o lado. Os edifícios sagrados também não são os únicos espaços em que os homens podem adorar a Deus, pois podem fazê-lo em qualquer lugar.
Ao construírem um templo, por mais modesto e simples que seja, os crentes levantam um sinal de Deus que se torna patente diante dos homens. Toda a obra de arte, também a arquitetura, “é um testemunho do homem” (A. Halder) situado no tempo, na sociedade e na cultura que lhe são próprios. Uma igreja, uma capela ou qualquer outro edifício religioso é portanto um testemunho da fé da comunidade que o ergueu. Nessas obras traduzem-se alguns elementos do seu credo, do modo de pensar a religião e da sensibilidade. Nelas manifesta-se simbolicamente “um estilo de vida, uma qualidade de acolhimento, uma espiritualidade” (A. Houssiau).
Como já disse, um edifício sacro, é também uma casa que acolhe a comunidade cristã, a Igreja. É chamado “igreja” porque é a casa que abriga o grupo ou a assembleia dos fiéis, essa sim a Igreja viva e verdadeira. Ali se congregam os crentes reunidos “no amor de Cristo”. Também a comunidade cristã é sinal que indica o divino, um sinal mais importante e expressivo do que a obra material. Mas o testemunho da Igreja viva não tira valor de sinal à igreja a casa de Deus construída pelos homens. O testemunho da Igreja exprime-se também através das suas obras de arte e da beleza dos templos que dedica a Deus e aos santos.
A igreja material é todavia “morada de uma comunidade” (A. Houssiau) e não simplesmente o lugar onde ela se reúne. Como uma família tem a sua casa onde habita, assim os fiéis formam uma comunidade, identificam-se com ela e têm a casa onde fazem oração, se encontram, partilham experiências e dons espirituais. Amam a sua casa, correm para ela e cuidam dela com grande zelo. Podem encontrar-se com Deus em muitos outros lugares, mas é à morada da sua comunidade que retornam como quem volta a casa depois de qualquer ausência. Por isso, os fiéis há-se sentir-se na igreja como na sua casa, organizá-la segundo a sua sensibilidade religiosa, identificar-se com ela.
O templo sagrado fala-nos, toca-nos, dá-nos testemunho de Deus através das suas formas, volumes, linhas, cores, sons, luz... Nele podemos ter uma qualquer experiência religiosa. Pelo ambiente, beleza, simplicidade e nobreza pode suscitar na alma humana o sentido da transcendência, do infinito, do divino, podendo promover nas pessoas, mesmo nos não crentes, uma certa experiência mística. Por vezes, pode mesmo imprimir no espírito humano uma certa percepção de estar num lugar habitado. O templo cristão, sendo “casa de Deus”, é efetivamente um lugar habitado por Alguém. A filósofa judia Edith Stein, quando jovem, entrou um dia na catedral de Frankfurt em visita turística. Ao ver uma mulher entrar e ajoelhar-se, ficando um certo tempo em oração, percebeu que o templo católico é verdadeiramente um espaço habitado, vai-se a ele para se encontrar Alguém, entra-se como quem vai visitar um amigo a sua casa. Quem dera que todos nós percebêssemos esta qualidade dos templos católicos! Então neles receberíamos a luz divina...
Os templos são também “memórias” de determinadas épocas. Registam os modos de se exprimir das comunidades do passado. Mas ficam sujeitos às intervenções e às marcas das gerações sucessivas que usam e usufruem dos bens patrimoniais que herdaram. Cada geração deixa as suas marcas no património cultural religioso recebido.
Padre Jorge Guarda
Este artigo pode ser encontrado também no meu blog, no seguinte endereço: http://padrejorgeguarda.cancaonova.pt
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