Procedimento IV
Era um dia de sol. Não aquele sol abrasador de Julho ou Agosto, mas de um sol primaveril. Até havia um aroma às flores de tília e num local bucólico.
Havia um carreiro do pé posto e uma idosa passa por ali. Não era muito longe da cidade em que nessa altura vivia, mas o carreiro ali existia, como um caminho de cabras na serra.
A idosa tinha um rosto macilento, próprio de quem não estava bem, e aproximei-me dela para lhe dar uma palavra talvez de conforto, pensava eu, de relação, de curiosidade e disse-lhe: “Então, minha senhora, vai por aqui sozinha?... Não tem medo?”
Ela ficou a olhar para mim e reconheceu-me. Ficou logo contente por lhe falar, mas a sua voz embargava-se-lhe. Então o que se passa consigo? - Não sei. Morreu-me o filho com quem vivia e agora estou só, disse ela…
Lá estive a conversar com ela e precisamente a mostrar-lhe que isso não era o fim de nada. Ela tinha que refazer a sua vida.
No entanto, eu a observava bem e vejo-lhe pulgas a saltarem no pescoço, na blusa e no lenço da cabeça. Observei que ela já não devia lavar o rosto e que estava sem estima nenhuma por si.
Como eu era o presidente de uma instituição de solidariedade social aconselhei-a a ir para essa instituição o mais rápido possível.
O problema dela era o pagar. Vá la, fale com os técnicos e diga-lhes que fui eu que a mandei.
Ora, eu era apenas o presidente da direção e os técnicos têm as suas funções e as suas regras a cumprir do regulamento interno.
Será que eu tenha tomado a melhor medida?
Quando ela chegou aos técnicos, estes pediram-lhe documentos e fizeram um questionário grande e, no fim, disseram que se quisesse frequentar o Centro de Dia teria de pagar uma mensalidade que já não me lembro quanto era.
No entanto, eles ficaram logo com a senhora e arranjaram a ela tomasse banho, mudasse de roupa e a comer à mesa com todos os outros, sem enviar processo nenhum à direção.
Passados dois dias, a senhora já tinha um rosto diferente e a direção ainda não a tinha admitido porque ainda não tinha chegado o dia da reunião que é realizado sempre à mesma hora, no mesmo dia da semana…
O que é certa… aquela senhora tinha descoberto uma família e começou a ganhar autoestima, a cuidar-se, a lavar-se, a pentear-se, a deixar o lenço; e as pulgas também se foram.
Há aqui uns atropelos pelo meio: um foi o do presidente da direção que mandou a senhora sem mais nada fazer e o outro foi dos técnicos que lhe deram logo entrada “sem passar cavaco à Direção”. Os procedimentos habituais não foram cumpridos de parte a parte.
Que lhe parece? Como julgaria estas atitudes?
Alguém procedeu mal? Cometeu alguma não conformidade?
Para que tudo saísse airoso destas situações, qual o procedimento do senhor presidente e dos técnicos ao levarem à Direção o processo?
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