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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Sobre a necessidade de uma Igreja Nova na cidade de Viana do Castelo


ANO XVIII Janeiro 2010 N.º 201



Sobre a necessidade de uma Igreja Nova na cidade...

Tome, o leitor, estas linhas como uma reflexão aberta. Nelas não pretendo esgotar os argumentos e as ideias, mas partilhar o produto de alguma meditação sobre este assunto. Escrevo como um envolvido – espero que esse facto não me tolde o horizonte e o discernimento –, e sabendo que muito do que aqui registo é compartilhado por outros paroquianos.

      1.         Um projecto na linha de uma tradição milenar.

A arquitectura dos espaços de reunião dos Cristãos foi marcada indelevelmente com a decisão tomada por Constantino de conceder liberdade de culto, através da publicação do Édito de Milão (313). A partir desse momento, a Igreja ganha a visibilidade arquitectural e artística que a clandestinidade obrigara a encerrar nas catacumbas, onde as primeiras comunidades (sujeitas a perseguição) desenvolveram uma iconografia rica de simbolismo, expressão de uma visão sustentada na esperança de uma vida para além da terrena. É correcto lembrar que os primeiros cristãos reuniram-se nas casas de alguns deles, como registam os testemunhos bíblicos (veja-se, Actos dos Apóstolos 1,12-14 ou 12, 12-17), mas a construção de edifícios próprios para acolher as assembleias terá sido adiada até ao século IV. Desde então, à semelhança de outras crenças e religiões (e, convém recordar, de outros poderes, instituições e agremiações civis), os cristãos foram levantando edifícios e patrocinando obras de arte, utilizando-os como veículo de expressão dos seus sentimentos mais profundos. 

Olhando para o passado, é possível afirmar que erguer uma igreja implicou, amiudadamente, o esforço de muitos homens e gerações. Mesmo quando patrocinadas pelos poderes locais ou nacionais, a história conserva relatos dos inúmeros e significativos esforços desenvolvidos para a construção de igrejas. As cidades europeias na fase final da Idade Média, superadas algumas das peias sociais e económicas que as tolhiam, parecem ter concorrido entre si na construção e reconstrução das igrejas. Hoje deixamo-nos extasiar com as belezas dessas catedrais que exauriram os recursos de comunidades inteiras e que foram (e continuam a ser) motivo de orgulho dos seus habitantes. Conta-se, por exemplo, que a população de Chartres se ofereceu para acarretar lajes desde a pedreira que se situava a 8 km do local onde se (re)construiu a Catedral depois de um incêndio. Esforços hercúleos “escondidos” pelas fachadas imponentes, fenestradas e marcadas por agulhas rasgando o ceú, ou pela serenidade dos seus interiores, onde se derrama uma “poética da luz” (Georges Duby). Para estes homens, estas construções eram uma celebração não das riquezas do mundo mas da Eucaristia e de Cristo. Dizia-se: “Quem quer que sejas, se queres prestar homenagem a estas portas não admires o ouro, nem a despesa, mas o trabalho e a arte”. Noutros momentos do devir humano, os templos foram encomenda de monarcas, de ordens religiosas e de famílias. Não raras vezes nasceram da vontade das comunidades locais e resultaram em soluções simples mas eivadas de leituras e olhares sobre o divino tão ricas como as de outras procedências. Deste longo percurso resultaram obras com características diversas, mas todas parecem procurar, à sua medida, o Belo e a glorificação de Deus. Podemos afirmar que todas as épocas encontraram os meios e os instrumentos necessários à sua construção. Não houve (e creio que ainda hoje não há) um único caminho, uma fórmula legítima de as promover e as materializar. Será fácil, no presente, lançar acusações sobre algumas das modalidades adoptadas no pretérito para as construir, mas esse é um exercício extemporâneo. A construção de igrejas é um sinal dos tempos e nela se fundem o sentimento com a razão. Com efeito, enquanto construções humanas, as igrejas nascem da junção dos desejos, da imaginação, dos saberes e do suor de gerações. A construção da Igreja Nova, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, dá continuidade a essa tradição milenar inscrita na história da Igreja e do Homem. 

2.         Precisará a cidade de Viana do Castelo de mais uma igreja?

Creio que não há necessidade de recorrer a dados quantitativos para demonstrar que a zona onde está erigida a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima tem sido, nos últimos anos, a área urbana que patenteia maior crescimento no número de novas construções e habitantes (a par, das freguesias da Meadela e Areosa). Denota este dinamismo, a crescente fixação de comércio e de serviços (algum preterindo o centro urbano), o aumento da circulação automóvel e da mobilidade de pessoas. A Abelheira deixou de ser um espaço peri-urbano, com traços de ruralidade notórios, para incorporar a área edificada da cidade. Para além da quantidade, este fenómeno traz questões de qualidade, que desafiam qualquer acção social e pastoral: os novos residentes não têm ligações familiares (e religiosas) com os habitantes tradicionais desta área, revelam franca mobilidade e adoptam estilos de vida diversos. Esta tendência demográfica e social não estancará; caberá a esta área albergar as próximas gerações de vianenses, por nascimento ou adopção. 

Para além de dar resposta a esta pressão demográfica (presente e futura), a Paróquia tem necessidade de encontrar um espaço para celebrar capaz de responder à comodidade que hoje é vulgar na maior parte dos edifícios e espaços públicos e privados. Sendo certo que o culto não está ligado a um lugar exclusivo – “o que tem primazia” é o encontro dos fiéis e a “edificação dum edifício espiritual” (Catecismo da Igreja Católica) –, a verdade é que, no exercício da liberdade religiosa, as comunidades cristãs têm erigido espaços próprios para as suas assembleias. Esta realidade histórica, como vimos, continua a ter toda a legitimidade. Ora a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima para responder as estas novas realidades tem um edifício do século XVIII (com esta afirmação não pretendemos colocar em causa a dignidade do espaço nem a sua relevância histórica e artística). Consideramos que, hodiernamente, não é suficiente, em determinados contextos, depender das edificações históricas, da mesma forma que não se pode construir como noutras épocas. Uma Igreja que pensa no Futuro, não pode ficar “agarrada” ao Passado, também neste âmbito.

O crescimento da cidade de Viana do Castelo não pode apenas ocorrer no âmbito dos equipamentos públicos (escolares, desportivos, culturais…), dos espaços de lazer ou comerciais mas, de igual forma, tem de pensar e investir na concretização de locais para a expressão e exercício da prática religiosa capazes de responder aos anseios das suas populações. Num país que pugna pela liberdade religiosa e pelo respeito dos Direitos Humanos é tão válida a afectação de espaços à construção de um centro comercial ou de um estádio como à de um templo (de qualquer religião, notamos). Acrescentaríamos que o investimento da cidade na construção de uma igreja é tão legítimo como, por exemplo, o levantamento de um monumento ou de um parque de estacionamento. Parece-nos, portanto, que este é um momento limiar: antes que se sintam todos os efeitos da sua falta, a cidade (particularmente, a área paroquial) deve conservar os templos existentes e construir um novo templo. Esse foi (é) a audácia dos actuais paroquianos e vianenses.                                                

3.         Haverá uma forma de igreja arquitectónica e artisticamente legítima? 

Sabemos que a história da arquitectura e da arte manteve uma relação estreita com a história da Igreja, e vice-versa. Houve períodos onde essa ligação foi mais íntima – exemplificamos com o caso do Barroco (pelo menos de uma parte das suas expressões) e a doutrina do Concílio de Trento – e momentos de mútuo questionamento e superação. No entanto, como se escreve no Sacrosanctum Concilium, “a Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos”.

Os documentos da Igreja fazem notar a relevância que alguns elementos estruturantes da sua configuração: o altar (um só altar no centro), o sacrário, a cadeira, o ambão, a pia baptismal e um espaço para acolher os penitentes. Enquanto espaço de reunião, o interior da igreja deve conservar uma área para a permanência dos fiéis. Assumido este rol de elementos estruturadores do espaço, a igreja pode ter, como sempre teve, os desenhos mais diversos. Esta diversidade de soluções, nem sempre bem aceite, tem sido portadora de uma enorme riqueza artística e cultural, de que somos herdeiros e continuadores. Nesse sentido, parece-nos que não há uma imagem exclusiva de Igreja, não obstante o nosso imaginário lhe associar um aspecto muito definido.

O projecto que a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima está a engenho do arquitecto e das restantes equipas técnicas criou em resposta a um programa conhecido de todos. Trata-se de uma estrutura centrada no espaço para a assembleia, sobre o qual erguer é mais uma solução que o se curvam as paredes exteriores, criando um ambiente uterino (cujo simbolismo nos escusamos descrever). Esta dimensão só ganhará plenitude uma vez concluída a obra. Contudo, ela é uma mensagem aos homens de hoje que em processo de desafectação da Igreja reencontram naquele espaço a possibilidade de concretizar uma verdadeira assembleia, aquela que assegura a partilha da Palavra e do Pão, in praesentia. Ora, estamos convencidos que é preciso reencontrar o prazer de partilhar o momento da reunião que, como notou Régis Debray, não é possível, por exemplo, diante do televisor. Este, nas suas palavras, “ao afastar-me do meu próximo (…) contribui para pulverizar um pouco mais o povo de Deus”, pois o assistente “já não é actor, mas um receptor, tentado pela passividade estética (…) e privado da alegria do estar em conjunto com todos, num mesmo palco”. A expectativa das gerações que agora investem na nova Igreja é que o futuro permita a partilha do espaço e do tempo entre próximos.                         

4.         Que sentido tem construir uma igreja nos dias de hoje?

Tentar uma resposta, ainda que incompleta, a esta questão, é um exercício difícil. Quiçá arrogante, se a incluirmos numa inquirição mais vasta. Como pode o autor revelar o sentido que muitos cristãos (e de forma ampla, muitos homens) parecem ter perdido?

Ensaiarei apenas uma ideia, que não sendo de todo original pode constituir um interessante mote para a reflexão: construir uma igreja hoje é “rodar os ponteiros do relógio em sentido contrário”. Não se trata de voltar ao Passado, de um regresso nostálgico a outro tempo e modo. Seria uma resposta débil, muitas vezes ensaiada e infrutífera, por ser equívoca. Mas, num mundo que parece ter perdido o sentido de assembleia, que acentua a fragmentação e o pior do individualismo, que reivindica a liberdade mas sujeita o indivíduo a novas opressões, que sob a capa da civilização instituiu um eu solitário e egoísta, não será tempo de voltar a pensar e agir em comunhão? Numa época que afirma a globalidade, o live e a comunicação virtual não será necessário reconquistar o toque e a presença? Não falo em recusar estes mecanismos de mediação tão fascinantes e portadores de novas possibilidades de encontro, mas na necessidade de enjeitar a limitação ao diferido.

Não sabemos como será o Cristianismo de amanhã, mas temos a responsabilidade de o construir hoje, sem medo de errar mas com uma humildade sempre actuante. Podemos sonhar e idealizar, mas a mudança passará sempre pela tradição. Não inventamos, reinventamos. A construção de uma igreja é a reinvenção de uma tradição; é a edificação de um espaço para se (re)construir em comunidade, olhos nos olhos, como Ele fez.                                                 


   José Carlos de Magalhães Loureiro           

1 comentário:

marmol disse...

Um belo texto, muito bem escrito e fundamentado, como é timbre do autor.
Parabéns.
Que a comunidade em geral entenda as razões invocadas e apoie a conclusão da obra, são os meus votos.