Quem ama fica!...
Era menino, ainda pequenino, e já corria de Mazarefes… ao colo da mãe, da tia, do pai ou do avô para a cidade. Acredito eu, como os meus pais e família, viviam as festas da Senhora da Agonia com alegria a todas as horas do dia e da sua devoção à Senhora, onde, na sua capela rezávamos e eles deixavam as suas esmolas.
A minha família era muito bem relacionada com famílias de Viana, algumas já perdi de vista. A família da Ritinha do Forno, o Tenente Teixeira, do Carvalho, ferrageiro em Viana, a família do Dr. João Valença, o Camelo do Largo de S. Domingos, a família Bacelar, a família Sárrea, a família Carvalho da Ourivesaria, a dos Fidalgos, a família Alpoim, a família Queiroz, da Zefa Carqueija, dos Figueiredos, dos Gandras, muitas, mesmo muitas das famílias desde as mais simples às mais cultivadas. Era eu pequeno e batia à porta das famílias conhecidas.
Talvez por motivos de banhos quentes da praia norte que a minha avó paterna utilizava um mês no ano, em Agosto. Nesse tempo, normalmente, eu passava a maior parte dos dias na cidade, ainda no tempo de escola, até a minha avó desistir dos tratamentos que a ajudaram talvez, na altura, a superar algum dos seus sofrimentos. Este fator deve ter contribuído muito para estar em Viana, como se estivesse em Mazarefes, minha terra natal.
Era a minha terra. A minha ida para o Seminário e para a Serra d’Arga, assim como a minha solicitude pastoral, como sacerdote que sou, desviaram talvez muito os meus olhares e as minhas convivências com jovens da cidade e da minha idade… muitos encontrei-os e encontro-os na minha Paróquia. Caminhos diferentes para uns e para outros… Alguns amigos mais velhos já faleceram. Outros estamos apenas em alguma convivência e colaboração pontual ou ainda conservamos memórias que podemos considerar de outros tempos.
Ainda recordo outras famílias: os Dias, os Salgados, os “Russos”, os “de Outeiro”, os “Limas”, “Cerqueiras” da Abelheira, os Delgados, o Martins da Socomina e de Valverde, os Matos e os Farias.
Desse tempo recordo as festas d’Agonia como aquilo que mais era esperado pelo povo das aldeias e vivido com uma animação extraordinária, por toda a gente, sobretudo pela juventude, mas não havia idoso que ficasse em casa. No coração pulava sempre sangue novo.
Eu nem vinha. Passava esses dias cá e era um “regalo” ver os comboios (cheios por dentro e por fora) apenhados de forasteiros agarrados às portas, aos degraus das escadas, às janelas, a qualquer sítio onde pudessem ter a que se agarrar, correndo até riscos ou pondo a vida em perigo. Depois… eram comboios de um lado para outro a várias horas!...
Mantinham-se os horários normais, mas fora disso, era um vaivém de comboios… de gente que vinha e de gente que ia…os que vinham a explodir de satisfação e os que iam cansados, mas com vontade de ficar!...
Aqui pelas ruas da cidade era um frenesim de alegria espantosa, um correr aos fontenários de Santo António, da Senhora d’Agonia, de Altamira, das Almas, etc… enquanto, por outro lado, pessoas amontoavam-se para entrar nos sanitários públicos da Rua General Luís do Rego, na Estação, no Mercado, no Jardim da beira-rio por baixo do coreto, no Jardim D. Fernando (S. Domingos) …
Água, limonada, pirolitos e laranjada!... Gritavam alto as mulheres ou os homens que, nesses dias, se dedicavam de cântaro aos ombros, ou mais tarde, com caneco de zinco coberto com cortiça. Era barato, custava o tostão. Caro por ser água com limão, mas barato por quem matava a sede ao
O mais interessante para mim, no tempo de criança, eram os cabeçudos, os gigantones, os bombos, o barulho e o vaivém das pessoas desde a Rua da Bandeira ao Templo da Agonia, a “Avenida das Camionetas” e dos Comboios, onde eram deixadas multidões de passageiros, que se dispersavam por todos os cantões de toda a cidade.
O ponto de encontro era a Praça da República, mas o Campo d’Agonia era o espaço da grande festa à volta do templo e sempre cheio de gente e de miudagem que se entretinha a ver os brinquedos artesanais e a pedir, choramingando aos pais, à mãe, ao tio ou ao padrinho mais um brinquedo, um chupa-chupa feito de açúcar em caramelo à volta de um palito e em forma de um cone resguardado por um papel… Os carrocéis e as voltas que as crianças sempre deliram e gostavam de repetir até nunca mais se cansarem.
Sabia sempre a pouco, sendo certo que se voltava da festa com saudades de querer ficar, vindo agora o lema: “Quem gosta vem, quem ama fica”.
Comecei a viver as festas convivendo nesses dias sempre com famílias amigas em Viana e, ano a ano, é sempre uma romaria nova.
Sempre há uma novidade: Nesses dias Viana vive, como nunca, de outro modo, dias que arrastam à partilha, à convivência, à coesão e à sombra da senhora da Agonia abre caminhos para a comunhão, uma nova alegria que vem mesmo do coração, isto é, vêm de dentro, venerando a Senhora da Agonia não poem de lado a natural alegria que de dentro salta, como uma explosão, para uma vida nova, remoçada, ano a ano, e como acalentando na mão um bebé para que não caia ao chão.
É a ternura, é o amor, e é por isso que “Quem ama vem, quem gosta fica”.
A. Coutinho
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