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sábado, 15 de agosto de 2009

Eram como formigas-São Pato PN 2007

Quem já passou a barreira dos 60 anos, com certeza que se recordará dos tempos em que as máquinas, guindastes, ou outros dos géneros, não existiam em Viana, e tudo era feito à força do braço e do corpo.
Quem não se lembra como eram feitos os carregamentos e descarregamentos dos barcos e navios, na nossa doca em Viana?
Tudo era feito por mulheres.
Sim!!!!!!
Mulheres!!!!!!
Emprego esse engajado na hora em que os barcos e navios chegavam a Viana.
Quando entravam na nossa barra, traziam prazo de saída, portanto, aquilo que vinham cá fazer teria que ser feito na hora.
Por isso, as mulheres que queriam ganhar uns tostões, logo que os barcos atracavam no cais, eram como um formigueiro a oferecerem o seu trabalho.
Infelizmente muitas delas não conseguiam o emprego porque as vagas já estavam preenchidas, e digo que eram muitas. Além das que já estavam engajadas para aquele serviço, que poderia ser só de meio-dia, ou ir até aos 3 dias sem parar e sem nunca serem rendidas.
Quem se lembrar disto, sabe aquilo que estou a dizer.
Mas aquilo não se podia chamar trabalho, era pior que a escravatura, mesmo assim, quem procurava aqueles trabalhos não se importava de fazer aqueles serviços.
O que elas queriam era ganhar algum dinheiro, muitas vezes o único dinheiro que conseguiam para comer um caldo pobre e uma côdea de broa dura, para elas e família.
Acreditem que não estou a exagerar.
Vi centenas de vezes e assisti a este formigueiro de mulheres, a entrarem e saírem, de fora para dentro e de dentro para fora dos barcos que estavam a receber carga ou descarga.
Para mim aquilo era fantástico, ver aquelas mulheres umas atrás das outras, parecendo formiguinhas a caminharem carregadas com uns pequenos balaios à cabeça. Estes eram uns cestos feitos de madeira encanastrados, largos e baixos. Cheios de sal a escorrer por elas abaixo, ficavam todas encharcadinhas de salitre caminhando descalças sobre uma tábua que ia desde o cais até ao navio: uma para entrar e outra para sair, mas não estavam presas a nada, aquilo baloiçava mais que um berço.
E aquelas mulheres todas em fila, sempre a andar sem parar sobre aquele trapézio perigosíssimo, podendo cair à doca porque, por vezes, o espaço que ficava entre o cais e o navio dependia da maré.
Além disso, aquele trabalho demorava muitas horas a fazer e a maré tem o seu ciclo, umas vezes está a subir, outras vezes a baixar, e, é claro, assim acontecia com as tábuas, ora subiam, ora desciam, além de balançarem muito.
Mas não era só o sal que carregavam, era o cimento, adubos e também toros de madeira, ou seja, o pinheiro todo, pelo menos 2 metros para mais cada um.
Isso, para mim, era ainda mais fantástico, equilibrarem aquele tronco grande e grosso à cabeça, de um lado para o outro, sempre em cima das tábuas que balançavam.
Podem imaginar qual seria o peso que aquilo teria?
Muito mais que o próprio peso delas, até porque eram todas pessoas muito magras, quanta fome ali não andaria?
Algumas vezes as vi ali sentadas ao sol a descansar, entre um barco e outro, a comerem uma côdea de broa dura e uma maçã ou não.
Mas eu via aquilo tudo, não era com pena ou coisa parecida.
Eu era uma garota pequena, 8-10 anos, o máximo, e adorava assistir àquela azáfama e movimento, para mim aquilo era lindo, eu perdia horas a assistir.
Hoje não posso dizer que gostaria de ver novamente aquele espectáculo, porque era arrasante tanto trabalho.
Aquilo digno de pena, porque era a miséria pura e a exploração a olhos vistos. Porque não havia patrões, não trabalhavam para ninguém, não havia responsáveis.
Um dia fiquei tão chocada e com tanto medo porque assisti ao espectáculo mais horroroso que se possa imaginar.
Se também se recordam, o comboio passava por dentro do Campo da Agonia, para carregar ou descarregar na doca.
O movimento, como já disse, ali na doca era demasiado e com muitas pessoas, além dos materiais das cargas, entre outros, havia lixo, porque não primava pela limpeza.
Nesse dia em que o comboio veio à doca, embora não andasse muito rápido, porque o caminho que percorria não tinha qualquer protecção, as pessoas sabiam que era fácil fugir.
Mas as pessoas sempre foram descuidadas, habituam-se às coisas, e nesse dia foi fatal para uma das pobres mulheres.
Como sabia que o comboio andava muito lento, lá se atrasou por qualquer motivo e, ali na doca, quando a máquina do comboio chegou para pegar no vagão, apanhou aquela pobre mulher, precisamente entre aqueles dois ferros que encostam um ao outro.
Foi simplesmente horrível, esmagada aquela pobre mulher, que só tinha ossos.
Era Mãe da minha parceira da escola. Deixando ficar uma filha, a mais velhinha e um sobrinho, que viviam todos do pouco que ela ganhava a trabalhar na doca.
Nunca mais fui ver as mulheres a trabalhar nesse local, eu fazia isso quando regressava de ter ido levar o almoço ao meu irmão Arménio ao Estaleiro.
Nesses momentos, trabalhavam muitas mulheres da Bandeira, Abelheira, Cais Novo e algumas espalhadas pela cidade.
A minha sogra também trabalhou na doca, mais nos barcos dos toros de madeira. Estes barcos eram da fábrica do Magalhães, do Cais Novo.
Ela era uma espécie de capataz. Era ela quem espalhava os toros dentro do porão dos barcos.
Trabalho esse muito importante porque era necessário saber calibrar o barco, de forma que ficasse bem acamado, o porão teria que ficar certo por todo, para o barco não ficar em perigo, podendo adornar.
O ser capataz, ou lá o que quer que fosse, não ganhava mais por isso, os patrões tinham era mais confiança nela e encarregavam-na desses trabalhos, que afinal seriam ainda mais pesados.
Vejamos o que aconteceu à minha sogra, reparemos o que era o viver naquele tempo na nossa terra, como tudo era tão rudimentar, tão pobre, tão triste.
Um dia, tinha ela talvez 16 anos, estava a trabalhar nos rolos na doca, levando-os à cabeça para dentro do barco. E
stava um dia geladíssimo, e tal como as outras, andava descalça. Como não sentia os pés, não sentiu que tirou uma lasca à sola do pé. As colegas, caminhando em fila indiana, começaram a reparar que a minha sogra ia deixando um rasto de sangue de um dos pés e disseram-lhe. Ela olhou e viu que tinha um pedaço de sola do pé ao dependuro.
Tratou logo de envolver o pé num farrapo qualquer que encontrou por ali.
E vejamos agora o atraso de vida que era naquele tempo.
Foi mandada uma das mulheres, que ali estavam a trabalhar, ao Cais Novo a pé, chamar a Mãe da minha sogra, e esta trouxe um carro de mão.
Uns carros que existiam em madeira, com 2 rodas, grande e largos, penso que já não existem, quem usava muito esses carros eram as mercearias.
Chegou a Mãe dela e foi levá-la à Cruz Vermelha, ali na Avenida, para curar o pé.
Vejamos como era o viver daqueles tempos, então não arranjavam ali mesmo, em Viana, um carro daqueles, que na época deveria haver em abundância!!!!!!
Porque teve de esperar que fossem chamar a Mãe ao Cais Novo, esta ter trazido o carro de mão e depois levá-la à Cruz Vermelha, estando ali mesmo junto à Avenida????
Atraso de vida, não tinham patrão, ninguém se responsabilizava, não se fazia nada por ninguém.
É fácil censurar e dar opiniões mas, ela não era empregada de ninguém, estava ali a trabalhar, é certo, mas aquilo não era trabalho documentado, era um gancho como se diz na gíria.
E a Mãe era a responsável por ela, e se algum mal lhe acontecesse, não teriam qualquer ajuda.
Hoje não estamos bem, mas naqueles tempos estávamos muito piores.
São Pato

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