O amar e hipotecar a Vida
Ser cristão hoje é fazer a experiência do dom de Deus que se autocomunica a cada um de nós em Jesus e pelo seu Espírito, chamando-nos à existência e oferecendo-nos um sentido, uma esperança e uma proposta da vida de acordo com a dignidade de um filho de Deus.
Isto traz-nos a responsabilidade de não ter medo do que somos e termos uma vivência de fé como resposta a Deus. Talvez tenha sido um erro o Edito de Milão, naturalmente, feito cheio de boa fé com a conversão do Imperador Constantino. A vida dos cristãos tornou-se mais fácil e a Igreja deve ter começado a corromper o verdadeiro espírito inicial, e assim como através dos tempos, dos mais variados modos. O espírito das primeiras comunidades esvaiu-se de sentido. Foi por isso que nasceram, nessa altura, os eremitas, os anacoretas, o monacato, para não fugirem às regras do amor que vinham vivendo os primeiros cristãos. Não é fácil ser cristão, e se alguém sente que isso é muito fácil é porque não é nada. Hoje, para ser cristão tem de se “hipotecar a vida, a começar pelos bispos, pelos padres e pelos leigos” (de Gerardo Ramos, S.C.I., in Histórias e Preparativos de las ideias teológicas). Todos temos esta responsabilidade. Não se trata de fundamentalismo ou exagero. Ao ler a encíclica do nosso Papa Bento XVI sobre o Amor, verificamos que o Concílio Vaticano II tinha um objectivo de voltarmos às origens, mas tanto leigos, como padres, como bispos continuamos a trabalhar numa pastoral ultrapassada, aquela pastoral em que o padre ou o Bispo faz tudo e os leigos são chamados à comunhão e à responsabilidade, mas como um dia ouvi dizer “ a corresponsabilidade e a comunhão dos leigos consiste apenas em ir à missa, a chegar à igreja e ajoelhar-se, sentar-se, ouvir e meter a mão no bolso para dar uma esmola no ofertório da missa”.
Um dia, um bispo disse “que o capital e a igreja não se davam bem”. É verdade que o Amor, “Deus é amor”, como o Papa Bento XVII nos fala, baseando-se em palavras de S. João, é mais importante na Igreja do que o material.
Ser pastor na igreja, isto é, ser membro da Igreja, seja qual for a sua situação, o seu ministério, não é preocupar-se tanto com o capital. A igreja é a igreja dos pobres, é a igreja da comunhão, a igreja de partilha, da solidariedade, da corresponsabilidade que o Concílio Vaticano II tanto vincou.
Não nos admiremos, por isso, que os jovens nos fujam porque eles são mais generosos e vêem a igreja de Cristo, mas não vêem a igreja dos homens cheios de fragilidades próprias da sua natureza. E o testemunho vem de cima, dos pais, dos padres, dos bispos e de todos os que se apresentam como leigos responsáveis de Cristo.
É por isso que quando um cristão tem o coração cheio de Amor de Cristo, só quer dizer que tem todas as ferramentas necessárias para se poder salvar e viver numa Igreja Nova e renovada; uma nova evangelização sem uma mudança interior em relação à materialidade da vida, pode ser a contradição do afastamento de muitos e a procura de grupos onde a experiência vivencial do Espírito os faça mais felizes...
Voltando à encíclica que nos leva a tirar a conclusão que a justiça não se faz sem amor e o amor não existe sem caridade, como a caridade sem amor não é nada, faz-nos olhar para dentro de nós e observarmos que, sem fundamentalismos, temos de ir andando, que já devíamos ter andado mais depressa com o espírito dos documentos do Vaticano II. Temos que olhar para a igreja que somos e temos. Há que começar a dar o exemplo a partir de nós, a partir de dentro. Onde vai a caridade ou o amor para com os recasados, os divorciados, os padres que deixaram o exercício das suas ordens,etc?...
Qual é o amor que testemunhamos aos de fora, em relação àqueles que professam religiões diferentes?...”Deus é Amor”, onde está o Amor escrito com letra maiúscula?...
A primeira encíclica do Papa é uma esperança muito grande, uma porta aberta, mas a caridade e a justiça dentro da própria Igreja é algo importante que falta. Precisamos de voltar às origens e alguns nada querem fazer por isso.
Difícil será ir mais longe, de facto, se não “teremos de pôr as barbas de molho”. Hipotecar a vida pela fé é o que nos espera...
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