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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Liberata- P.N. 2007

“Pegadas acentuadas no duro chão da Vida”
O subtítulo em epígrafe não é meu, mas da neta que resolvi transcrever na íntegra aquilo que a sua memória, a da sua família e a de muita gente antiga da Abelheira conserva da Liberata. Eu próprio já tinha muitas vezes ouvido falar dela.
“Esta é uma breve história duma pessoa simples que deixou marcas importantes na vida de muita gente, particularmente na minha e bastante acentuadas.”
Liberata da Conceição Mendes Cunhal, mais conhecida pela Senhora Liberatinha, nascida a 2 de Dezembro de 1896, ou a 2 de Fevereiro de 1897 (dizia ela: “Faço duas vezes anos.”), pois foi registada nessa data, casou com 26 anos, com António Frederico da Cunha Cunhal, sobrenome pelo qual toda a sua família, mais tarde viria a ser conhecida, a familia Cunhal, ou as “Liberatas”.
Com origem no latim, liberatu quer dizer liberdade, coisa que não teve. Bem novinha a vida foi bem difícil para ela.




Natural dos Arcos de Valdevez. A mãe chamava-se Joaquina Pereira de Jesus (pessoa simples que servia na casa de nobres), o pai José António Mendes, um senhor nobre, na casa onde a mãe servia. Gente de brasão, a avó paterna levava o mesmo nome, chamava-se Dona Maria Liberata Cerqueira Mendes.
Como naquela altura, não estava bem visto os nobres casarem com as criadas, Liberata foi rapidamente desviada do ambiente familiar, porque era necessário o leite de sua mãe para amamentar um nobre nascido na mesma casa, coisas normais naquela época.
Assim começaram as suas andanças pelo mundo, foi posta no que se chamava a roleta. Tirada a sorte foi parar a uma família de velhotes em Perre. Aí ficou até aos 7 anos, onde de tenra idade era enviada para o monte junto com o pai adoptivo guardando cabras todo o dia.
Aos 7 anos, por insistência do pai biológico e favorecida pelas condições nesse momento, como um privilégio, voltou aos Arcos para ajudar a criar 4 irmãos que já tinha nessa época.
Todos os seus irmãos tiveram o privilégio de seguir estudos, menos ela, que de bem tenra idade teve que se dedicar aos trabalhos domésticos. Anedota – a mãe mandou fazer um banco pequenino para ela chegar à banca para lavar a loiça, e uma jarra adequada ao seu tamanho para ir buscar a água. Ao pai foi proibída de lhe chamar pai, o trato normal era Sr. Mendes.
Mais tarde, depois de casada, morou na Portela de Cima, teve 9 filhos, dos quais apenas 6 resistiram às doenças daquela época, os outros faleceram com tenra idade. Ficaram 4 raparigas e 2 rapazes, sem somar os meninos que alimentou paralelamente aos seus, pois leite era um bem que não havia, chamados então irmãos de leite. Já nessa época a conheciam, estava sempre pronta para ajudar uma criança a nascer, um doente a morrer, um pobre a sobreviver à custa da sopa e da cevada que tinha sempre pronta.
Eu sou uma das netas da filha mais nova, com quem ela viveu até falecer, e desde que me lembro, a casa da minha avó (Rua D. Moises Alves de Pinho nº 244 – Urselinas) sempre estava cheia de gente. Era quase obrigatório parar aí. No Inverno era a sopa e o café quente, no Verão a limonada. Desde a padeira, a leiteira, os feirantes que passavam para o mercado, o azeiteiro, amigas e conhecidas, toda a gente sem excepção, tinha um carinho muito grande por ela e todas eram atendidas da mesma maneira. Chamavam-lhe a mãe dos pobres. Mais tarde, depois do terramoto da década de 60, a casa onde vivia ficou abalada e viemos viver para a Abelheira, Paróquia Nossa. Sra. de Fátima.
Nesta época, lembro-me bem, as panelas eram as mesmas e a cafeteira também,embora as pessoas que passavam na rua eram outras, mas eram tratadas da mesma forma. Na altura, os meus pais trabalhavam os dois. O meu pai Domingos Pereira, electricista na Junta Autónoma dos Portos do Norte, era muito amigo dos pescadores, fazendo-lhes muitos trabalhos gratuitamente. Era beneficiado em troca do seu trabalho com grande abundância de peixe de todas as qualidades; assim (podem dizê-lo as pessoas que ainda vivem e que desfrutaram desse benefício) toda a rua já não comia só batatas. A partir desse momento, a senhora Liberatinha não teve mãos a medir, despachando com toda a alegria peixinho fresco para toda a gente. Cabe dizer que nesse tempo não havia frigoríficos.






Lembro bem do sorriso constante na sua cara e da satisfação que tinha em poder dar sempre algo a alguém. Bom exemplo para todas as filhas, excepcional memória para as netas, assim nos ensinou a todos a repartir com carinho e um sorriso nos lábios tudo aquilo que faz falta, às vezes, para aquecer o corpo, outras vezes para aquecer a alma, daqueles que necessitam.
Conta-se em casa que um dia passou um pobre na rua, desta vez era uma senhora e ela, sem pensar duas vezes, abriu o gavetão duma velha cómoda e ofereceu a saia que ela tinha de sair, junto com outros pertences. Só mais tarde quando necessitou, numa das poucas ocasiões em que lhe fazia falta, um casamento, baptizado, ou algo do estilo, é que deu conta quando ouviu exclamar:
- “Ó Mãezinha, então você foi dar a saia melhor que tinha?”... “Deixa lá. Faz-se outra.”, resposta imediata, e tudo isto com sorrisos.
De outra vez, pela altura do Natal, foi premiada pelo Pai Natal com um dinheirinho dentro do chinelo. Sendo uma pessoa desligada totalmente dos bens materiais, passados já 4 ou 5 dias, uma das filhas perguntou-lhe: “Então Mãezinha gostou do seu Pai Natal?” e ela responde: “Gosto sempre.” – “E que vai fazer com esse dinheirinho que lhe trouxe o Pai Natal?” e ela responde, entre sorrisos: “Que dinheirinho?”. Quando demos por ela já levava quase 8 dias e o dinheiro dentro do chinelo, sem sequer se dar conta.
A vida é feita de coisas simples, quanto mais simples são as pessoas, mais bonitas são. Esta era uma pessoa de estatura baixa, simples, de avental, lenço na cabeça e chinelinho no pé. Mas por dentro havia um enorme coração e uma alma pura.
Nas Urselinas tínhamos como vizinhos os padres do seminário, todos a adoravam. Na zona da Areosa não havia ninguém que não a conhecesse, agora para um parto, mais tarde para ajudar alguém a partir, ou para sair de uma doença. Quando viemos morar para a Abelheira, as pessoas faziam autênticas excursões para vir vê-la. Todos aqueles da Ribeira que vinham a pé para o Senhor da Prisão, paravam cá em casa para a cumprimentar.
É com muito orgulho e muito carinho que ainda hoje as pessoas a recordam.E é também com muito orgulho que somos conhecidas pelas “Liberatas”.
Não tenho palavras para expressar a gratidão da bela herança que deixou a todos os seus descendentes, e algum dia gostaria de honrar a sua memória em nome de todos aqueles que nunca lhe puderam agradecer o suficiente, tal como eu. Teresa Cunhal”
Aqui ficam as “pegadas acentuadas no duro chão da vida” como que em placas de bronze, pedaços ou pegadas de história de uma mulher falecida a 29 de Setembro de 1975, diferente de entre muitas outras mulheres, escravas da nossa região que Paulo Orósio dizia que eram as que trabalhavam as terras e até pariam nas abertas dos campos (regos de água) enquanto os homens se dedicavam à defesa das povoações.
A. Viana

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