Gosto dos dias compridos. Da luz do Sol que se pro¬longa até à noite. Do tempo que parece eterno. Do olhar que parece infinito.
Gosto de me deitar no chão da sala e ver da janela descerrada as cores que se misturam no céu azul de um fim de tarde quentinho. De sentir o aroma que anuncia o Verão.
Gosto de contemplar o meu filho a dormir. Gosto de o ver a acordar para a vida. Gosto de lhe mostrar o mundo pela minha mão quando caminhamos lado a lado. E eLe mostrar-me que o mundo é, afinal, muito maior do que aquilo que eu sei e conheço.
Passa um avião e ele grita de alegria como se tivesse visto uma coisa muito importante. E fica tão feliz só por o ver voar. Um dia hei-de dizer-lhe que a minha paisagem dilecta é ver um avião a descolar, um comboio a partir, um carro a ser conduzido e uns pés a ca¬minharem pela vida. Ir mais longe. Desbravar. Olhar. Tocar. Sentir. Numa palavra, viver.
Gosto de subir a uma colina só para ver o rio e levar para dentro de mim o desassossego da suave ondulação - interpela os sentidos. Gosto de subir caminhos de terra batida só para me sentar num barroco - descansa o olhar. Gosto de observar e absorver tudo o que contemplo como se estivesse diante de um quadro de Monet - um dos meus pintores favoritos. Gosto de abrir os olhos e saber que tudo o que vejo não cabe dentro de mim. Transcende-me. Vou para outro lugar procurar novos caminhos. Abro um livro e com uma lapiseira sublinho pensamentos, pa-lavras, actos e emoções que ficam comigo. Pouso o livro. Olho para o fio do horizonte e sinto-me bem. Volto a caminhar.
Gosto de regressar a casa e sentir que o mais importante da minha vida está ali concentrado naqueles metros quadrados. Gosto de afectos. Daqueles que me enchem de certezas e indicam que tudo o que faço tem um sentido.
Gosto de receber os que me fazem sentir feliz por estar na presença deles - este é um dos meus principais critérios quando escolho as pessoas que quero ter ao meu lado.
Gosto de falar e de fazer silêncio. E quando todos vão embontter a certeza que não estou nem fico sozinha. Há uns anos entrevistei o psicólogo Eduardo Sá a propósito da solidão e ele dizia que «a solidão é a ausência de pessoas dentro de nós». Quando todos partem é como se visse o tal avião a descolar car-regado de sonhos e expectativas • que se levam na bagagem. Onde eu também vou. Viajo com eles e eles viajam comigo.
Gosto de sentir que a felicidade está dentro de nós. Que não é preciso percorrer quilómetros nem milhas para correr atrás dela. Ela está mesmo aqui. Tão perto. É feita de coisas simples que não se vendem em nenhum canto do mundo - mas encontram-se algures no nosso mundo. ■ Sílvia Júlio, in Família Cristã, de Junho de 2010
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