DOSSIER
Para lá do Ano Sacerdotal - do Mistério ao ministério
Com enorme surpresa, antes da viagem apostólica a África (Camarões e Angola) em Março de 2009, o Papa Bento XVI anunciou a convocação de um especial Ano sacerdotal, a propósito do 15o.5 aniversário da morte de S. João Maria Vianney, o Pároco de Ars, anunciando, ao mesmo tempo, que o proclamaria padroeiro de todos os sacerdotes do mundo. Efectivamente, este Ano abriu com uma celebração de Vésperas na Basílica Vaticana, no dia 19 de Junho 2009, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, e concluiu com um congresso mundial de sacerdotes em Roma, de 9 a 11 de Junho de 2010. Foi um Ano marcado por vários problemas e polémicas em torno de alguns sacerdotes, mas sobretudo por mui-tas iniciativas, celebrações e publicações que contribuíram para renovar o dom recebido pela imposição das mãos. Fidelidade de Cristo, Fidelidade do Sacerdote - foi o tema escolhido pelo Santo Padre que nos impele a um amor maior que vence o tempo. Costumava dizer o Santo Pároco d'Ars que «o sacerdócio é o amor do coração de Jesus». Ao falar do Coração de Jesus, queremos também dizer o amor humano de uma pessoa divina, porque Cristo «amou com um coração humano» (1) e o coração de Deus bate de amor por todas as pessoas. O primeiro fiel a tanto amor é o próprio Cristo e nesta fidelidade fundadora é que se radica a fé e a vida de cada sacerdote. O Papa recordou-o claramente na celebração de Vésperas com os sacerdotes, Religiosos, Seminaristas e Diáconos em Fátima: «permiti abrir-vos o coração para vos dizer que a principal preocupação de todo o cristão, nomeadamente da pessoa consagrada e do ministro do Altar, há-de ser a fidelidade, a lealdade à própria vocação, como discípulo que quer seguir o Senhor. A Fidelidade no tempo é o nome do amor; de um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote. (...) Isto supõe, evidentemente, uma verdadeira intimidade com Cristo na oração, pois será a experiência forte e intensa do amor do Senhor que há-de levar os sacerdotes e os consagrados a corresponderem ao seu amor de modo exclusivo e esponsal» (2).
O Ano sacerdotal foi, com efeito, para toda a Igreja e não apenas para os seus Padres. Todavia a igreja não existe sem a Eucaristia, dado que é a Eucaristia que
faz a Igreja e o mundo sem a Eucaristia não recebe as energias da transfiguração e de salvação que emanam deste mistério. A Igreja une-se ao seu Senhor que a habita e a edifica, não só durante a celebração litúrgica, mas em todo o instante, conservando-0 como o "tesouro" mais precioso. Deste modo, a Eucaristia apresenta-se como a fonte, o centro e o cume de toda a vida cristã e de toda a evangelização, porque o seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, n'Ele, com o Pai e com o Espírito Santo (3). Considerando que a Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia, podemos afirmar que existe entre elas uma íntima relação. Portanto, não há Igreja íntegra sem a sucessão apostólica e não há verdadeira Eucaristia sem o ministério dos sacerdotes, segundo uma hermenêutica da continuidade eclesial e sacerdotal. Na verdade, afirma Bento XVI: «revela-secada vez mais urgente a hermenêutica da continuidade para compreender de modo adequado os textos do Concílio Ecuménico Vaticano II, analogamente é necessária uma hermenêutica que poderemos definir "da continuidade sacerdotal", a qual, partindo de Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, e passando pelos dois mil anos de história de grandeza e de santidade, de cultura e de piedade, que o Sacerdócio escreveu no mundo, atinja até aos nossos dias» (4). Para mostrar os mistérios de Cristo e viver sempre do mistério ao mi(ni)stério -
Celebração no Vaticano
O Papa, caros sacerdotes, convida-vos de coração a vir de todo o mundo a Roma para este encerramento nos dias 9,10 e 11 de Junho. De todos os países do mundo. Dos países mais próximos de Roma dever-se-ia poder esperar milhares e milhares, não é verdade? Então, não recuseis o convite premuroso e cordial do Santo Padre. Vinde e Deus vos abençoará. O Papa quer confirmar os presbíteros da Igreja. A vossa presença numerosa na Praça de São Pedro constituirá também uma forma propositiva e responsável de os presbíteros se apresentarem, prontos e não intimidados, para o serviço à humanidade, que lhes foi confiado por Jesus Cristo. A vossa visibilidade na praça, diante do mundo
há que «encontrar paciência bastante para aguentar- aconselhava Rainer Rilke - e inocência bastante para acreditar, mais confiança no que é difícil e no estado de solidão entre os outros. E no mais, deixe acontecera vida. Acredite-me a vida tem razão em todos os casos» (5). Também um psiquiatra italiano não cren¬te escreveu no âmbito do Ano sacerdotal um interessante livro (6) acerca dos padres. Diz ele que «parece-me poder dizer que se o Bispo quer que os seus padres sejam santos, eu como psiquiatra gostaria que fossem serenos e ao menos, algumas vezes, felizes». Em conclusão, o mistério do ministério sacerdotal é sempre o mesmo e o único mistério de Deus; Cristo, nossa Páscoa. O desafio é o de sempre para lá do Ano sacerdotal, isto é, partir do Mistério para o ministério que faça da vida um lugar de beleza e de verdade no sublime quo¬tidiano da liturgia da própria vida.
Pe. José Manuel Cordeiro, Reitor do Pontifício Colégio Português (Roma)
1 - GS 22.
2- BENTO XVI, Discurso aos sacerdotes, Religio¬sos, Seminaristas e Diáconos em Fátima, 12 de Maio 2010.
3 - Cf. LG11; PO 5.
4 - BENTO XVI, «Discurso aos participantes do convénio teológico organizado pela Congregação para o Clero, 12.03.2010», in OSSERVATORE RO¬MANO (13.03.2010) 8.
5 - R. M. RILKE, Cartas a um jovem poeta. Edições ASA, Porto 2002,87.
6 - V. ANDREOLI, Preti. Viaggio frágil uomini dei sacro. Piem me, Mi la no 2009.
Agência Ecclesia
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