III ENCONTRO INTERNACIONAL DE ABADIAS
CISTERCIENSES EM ALCOBAÇA
ROTA CISTERCIENSE DO ALTO MINHO – GALIZA
PROJETA-SE NA EUROPA
José
Rodrigues Lima
Decorreu no Mosteira de Alcobaça, inscrito na
Lista do Património Mundial da Humanidade pela Unesco, em 1989, o notável
evento III Encontro Internacional de Abadias Cistercienses.
Seguir o
itinerário desde o Alto Minho até ao conjunto monacal cistercienses em
Alcobaça, é motivo para avivar toda a referência histórica, artista e mística
que nos legou aquela abadia, e recordar o que Dom Maur Cocheril escreveu no
livro dedicado à Igreja abadia-mãe: “A mais pura e majestosa igreja construída
pelos cistercienses”.
Percorrer os
espaços do mosteiro de Alcobaça, desde a igreja, passando pelo refeitório até
ao dormitório, é descobrir “a alma do lugar” e comungar emoções dos homens que
viveram em “território do infinito” e “num tempo sem tempo”.
OS MONGES IMPRESSIONARAM COM A SUA MARCA
UMA TERRA
“Quando os
monges, durante séculos e séculos,
impressionaram
com a sua marca uma terra,
ainda que
não ficasse da moradia dos monges
senão uma
pedra que se desagrega,
senão um
grão de areia que se esmorona,
a pedra, a
areia falam dos monges.
Mesmo que a
pedra e o grão de areia desaparecessem,
a terra, a
velha e nobre terra,
a terra
sobre a qual os monges se debruçavam,
o vale em
que rezavam,
as árvores
que plantavam
continuariam
a falar deles.
Porque,
durante séculos e séculos os monges impressionaram com a sua marca uma terra”.
(Dom Maur Cocheril)
SESSÃO
SOLENE DE ABERTURA
A receção aos participantes do encontro
internacional concretizou o capítulo LIII: “do acolhimento dos hóspedes de
acordo com a regra de S. Bento”.
A inauguração dos trabalhos realizou-se na sala das
conferências, sendo presidida pela Dra. Ana Pagará, diretora do Mosteiro de
Alcobaça.
Na mesa da presidência encontravam-se a
Diretora-Geral do Património Cultural, Dra. Paula Silva; Presidente da Câmara
de Alcobaça, Dr. Paulo Inácio; representante da Carta Europeia das Abadias, Dr.
Gerard Berreux; Diretor do Instituto Europeu dos Itinerários Culturais, Dr.
Stefano Dominioni e o Procurador da Ordem Cister, D. Lluc Torcal.
Realizaram-se intervenções de elevado nível
cultural, lançando olhares pelo património cistercienses europeu, rasgando
perspetivas “Para além das Fronteiras: O Património Cisterciense e a Identidade
Cultural Europeia hoje”.
COMUNICAÇÕES
CIENTÍFICAS
As seções científicas tiveram a intervenção de
grandes especialistas de história, antropologia, e da arte arquitetónica, com a
acentuada preocupação pela divulgação e salvaguarda do património cisterciense.
Tiveram a participação de notáveis personalidades
culturais da Itália, França, Alemanha, Polonia, Portugal, Galiza, Bélgica, Dinamarca
e Espanha.
A Dra. Ana Pagará Diretora do Mosteiro de Alcobaça
dirigiu as seções científicas com grande nível cultural, e o Subdiretor-Geral
do Património Cultural Dr. Filipe Silva suscitando reflexões pertinentes acerca
das boas práticas do riquíssimo património português e a sua valorização no
“conserto universal das culturas”.
É de sublinhar, que para melhor resultado do III
ENCONTRO INTERNACIONAL, houve o serviço de tradução simultânea em português,
francês, inglês, tendo todos os atos sido gravados em audiovisual.
Durante os dias do Encontro Internacional
realizaram-se várias visitas ao conjunto monacal de Alcobaça.
DIRETOR DO
INTITUTO EUROPEU DOS ITINERÁRIOS CULTURAIS
A conferência inicial foi proferida por Stefano
Dominioni, Secretário Executivo do Acordo Paralelo Europeu sobre Rota Culturais
– Conselho da Europa (EPA).
Stefano Dominioni exerce também a missão de
Supervisão da Certificação pelo Conselho da Europa das Rotas Culturais e do
Património Europeu, no âmbito dos seus 47 estados – membros.
Igualmente é responsável pela avaliação regular das
atuais 33 Rotas Culturais Certificadas, e ainda pela implementação de Programas
Conjuntos com a Comissão Europeia e pela cooperação com outras Organizações
Internacionais, como UNWTO e UNESCO.
O PROJETO
COSMOS POBLET
Dom Lluc Torcal, Procurador Geral das Ordem
Cisterciense (Roma) apresentou o projeto (Cosmos Poblet) de que destacamos:
“O Mosteiro de Poblet,
inscrito na Lista do Património da Humanidade da UNESCO (1991), é uma comunidade de monges
cistercienses. Juntamente com a Fundação Populus Alba e fiel à sua vocação e à
vontade fundadora do Conde Ramón Berenguer IV de Barcelona, realiza um projeto integral de valor cultural,
social, ambiental e eclesial, denominado "Programa Cosmos Poblet".
A vontade de Ramon Berenguer IV, era
que Poblet fosse "um foco de oração e trabalho, um exemplo de cultura e exploração
agrícola, isto é, uma semente de fé e civilização". Poblet tentou ser assim ao longo de sua
história até ao século XXI: um compromisso exato que a comunidade atual renovou
estabelecendo o "Programa Pobllet Cosmos".
Nos últimos anos, o
Mosteiro de Poblet entrou num processo de mudança, modificação, expansão e abertura que resultou na
implementação de diferentes serviços e atividades para visitantes e convidados, realizando
uma revisão completa do mosteiro, tendo em conta o respeito pela natureza, os princípios
de sustentabilidade e o respeito pelos recursos naturais. O Mosteiro de Poblet
acredita que estamos num momento fulcral da história recente para empenhar-nos em melhorar a qualidade
de vida da comunidade monástica e dos milhares de visitantes que, ano após ano
o visitam, sendo um dos principais monumentos da história da Catalunha, Aragão, Valência e as Ilhas
Baleares. É claramente uma referência histórica, arquitetónica, simbólica, religiosa e espiritual
de primeira ordem tanto para a Catalunha quanto para a comunidade cisterciense.
Este programa visa
desenvolver toda uma série de projetos e ações abrangentes baseados no facto de
que Poblet configura uma paisagem, uma tradição e uma unidade entre a dimensão espiritual, cultural, social e
ambiental da vida.
Este programa pretende
ser uma nova forma de preservar o património da humanidade, uma forma que tem como regra a integração
de diferentes níveis do património humano. Por isso, o programa chama-se "Cosmos
Poblet", porque faz do mosteiro e da sua ação um verdadeiro cosmos”.
ROTA
CISTERCIENSE DO ALTO MINHO-GALIZA
O coordenador da referida rota, José R. Lima
apresentou o projeto cultual de transfronteiriço, tendo os participantes no
Encontro Internacional acolhido com muito agrado a comunicação, projetando
assim a plano para a Europa, para além das fronteiras, contribuindo para
Identidade Cultural Europeia Hoje.
A
Rota Cisterciense Alto-Minho / Galiza tem início no Mosteiro cisterciense de
Santa Maria do Ermelo,
concelho de Arcos de Valdevez, situado junto ao rio Lima, seguindo pelo Soajo, Gavieira e atingindo São Bento do
Cando, ermida fundada pelos monges brancos do Ermelo. Atravessa a zona da Branda da Aveleira
e Bouça dos Homens, continuando por Lamas de Mouro, descendo por Alcobaça e
Adadela para encontrar o Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de Fiães, concelho de Melgaço.
A
rota prossegue por terras melgacenses e atravessa a zona fronteiriça de São
Gregório, seguindo por
Cortegada e atravessando o rio Minho.
Ribadavia
será ponto de passagem, para logo encontrar em Leiro o Mosteiro Cisterciense de
Santa Maria de San Clodio, envolvido pelo rio Ávia e pelos vinhedos das cepas
alinhadas e produtoras do vinho do ribeiro.
Continuando
o caminho cisterciense ultrapassa-se o Carvallino, passando pelo município de Cea.
Após um denso carvalhal escutando o
murmúrio do rio, surge o grande conjunto monacal do Mosteiro de Santa Maria de
Osseira, considerado o Escorial galego.
A
comunidade onde vivem doze monges seguindo o lema "ora et labora", testemunham vidas voltadas para o transcendente num tempo
sem tempo.
Podemos
afirmar que são "os homens residentes em paisagem do infinito".
Seguindo
a tradição monacal produzem licores delicados.
Os mosteiros são mistério, onde
"a arte é a epifania do transcendente".
Pretende-se
que a Rota Cisterciense contribua para dar visibilidade a testemunhos do património material e imaterial, que
fazem parte do noroeste peninsular conjugando memória e projeto.
O
caminho faz-se caminhando...
A paisagem cultural da rota encerra
história, antropologia, arte, música, mística, diversas artes e ofícios, e
valores éticos e estéticos, num autêntico diálogo com a memória dos homens e das coisas.
OBJETIVOS DA ROTA
CISTERCIENSE:
• Dar visibilidade ao património
material e imaterial;
•
Concretizar leituras
multidisciplinares na Rota Cisterciense;
• Reconhecer o valor dos conjuntos monacais no
desenvolvimento do turismo cultural e religioso;
• Lançar um olhar humanista e místico sobre 900 anos de
História;
• Dar um contributo para o Itinerário Cultural Europeu dos
Caminhos de Cister;
• Valorizar o legado "ora et labora";
• Ligar o Vale do Lima ao Vale do Minho pela montanha,
contribuindo para o seu desenvolvimento;
•
Fortalecer os laços
transfronteiriços, tendo referências memoriais e registos raianos;
• Constatar a existência de laços antigos entre os
cistercienses do Alto Minho e Galiza.
Diligenciar
a inscrição da Rota na Carta Europeia das Abadias e Sítios Cistercienses.
Na comunicação do projeto foi apresentada a grade
obra do Prof. Doutor José Marques, “O Cartulário do Mosteiro de Fiães” que
muito dignifica a historiografia portuguesa e internacional.
VISITA DO
ABADE CLARAVAL
O
Mosteiro de Santa Maria de Fiães e o de Santa Maria do Ermelo receberam as visitas
canónicas de D. Edme de Saulieu, abade de Claraval, que se fazia acompanhar pelo secretário Fr. Claude de Bronzeval,
acontecimentos que ocorreram entre 20 e 27 de Janeiro de 1533.
"Devido a ser inverno e a temer falta de segurança no percurso
directo de Ermelo a Fiães a comitiva que tinha vindo de Ponte da Barca a Ermelo voltou
pelo Vale e Arcos de Valdevez,
seguindo por Choças, Extremo, Barbeita, Melgaço e Fiães.
Prosseguindo por Alcobaça e Adadela para encontrar o mosteiro de Fiães.
O relato da visita do
Abade de Claraval foi redigido em latim e D. Maur Cocheril traduziu-o para
francês na obra bilingue
"Peregrinatio hispanica" (1970).
Aliás, é de referir a grande obra de M. Cocheril referente aos cistercienses em território
português, sendo de destacar a edição "Routier des Abbadyes Cisterciennes du Portugal" (Paris, 1978).
Os monges cistercienses cingiam-se a uma rígida clausura, pelo que o mosteiro tinha de ser
auto-suficiente.
"Assim,
a escolha do local era fundamental. O modelo de implantação do cenóbio exigia um lençol de água
próximo e
consequentemente um solo circundante fértil."
Um dístico anónimo regista que "São Bernardo amava os vales, São Bento os montes, São Francisco as aldeias e Santo Inácio as grandes cidades. Assim se traduz de forma paradigmática a preferência dada pelos cistercienses às zonas
baixas dos vales irrigados." (Teixeira,
1999)
Através da história surgem excepções por razões de vária ordem.
As marcas dos cistercienses estão bem vincadas no Noroeste Peninsular e são merecedoras de um olhar patrimonial consistente, pois "o desenvolvimento deve ter em conta a continuidade da vida cultural dos povos", como se preconiza em textos da UNESCO.
MEMÓRIAS
COM LUZES
Ao percorrer os antigos caminhos, veredas
e atalhos, seguimos as pegadas dos homens "de lugares do infinito",
que sendo habitantes da terra continuamente falavam com os habitantes do céu,
num tempo sem tempo.
Os mosteiros com o rico e diversificado
património histórico, antropológico, artístico, agrícola e inclusive tecnologia
hidráulica, e a irradiação cultural e espiritual conduzem-nos por memórias com
luzes que apontam condutas éticas, estéticas e transcendentais. O ambiente que
se respira na área de um conjunto monacal e os sons dos sinos das torres, bem
como os timbres das sinetas das portarias ou dos claustros, levam-nos a sentir
emoções e a olhar para mais além, para o alto, ultrapassando os camones do tempo
e do espaço. Os apelos feitos através dos sentidos, do tacto, do paladar, do
olfato, da visão e da audição transportam-nos para o sentido místico,
refrescando a alma como se víssemos o invisível. O canto das aves no claustro
ou nas granjas une-se ao canto gregoriano das horas litúrgicas. "Cada
época deve reinventar para si um projeto de espiritualidade." A regra de
São Bento (Regula Sancta) e a "Carta de Caridade" são obras que
apaixonaram através dos séculos multidões incontáveis de monges e onde a
"lectio divina" os levava a uma contemplação muda e silenciosa.
"A arte é nostalgia de Deus" escreve Mira Schendel. "Não precisa
pintar aquilo que se vê, nem aquilo que se sente, mas aquilo que vive em
nós." "O invisível atravessa profundamente a humanidade, e os
processos lentos, vertiginosos impercetíveis ou nomeáveis." (T. Mendonça)
A arte é sem dúvida epifania do mistério. Os mosteiros são
"mistério".
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
DO III ENCONTRO INTERNACIONAL DAS ABADIAS
A Dra. Ana Pagará,
Diretora do Mosteiro de Alcobaça fez uma maravilhosa síntese dos dias das sessões
científicas.
A coroação do grande
evento internacional e cultural, concretizou-se com o lançamento de dois livros
referentes á riqueza patrimonial do Mosteiro de Alcobaça, Património Mundial da
Humanidade.
Assim, o Prof. Doutor
Virgolino Ferreira Jorge, que criou o Mestrado em Recuperação do Património
Arquitetónico e Paisagístico e o Doutoramento em Conservação do Património
Arquitetónico, na Universidade de Évora, na década do 90 do século passado,
conjuntamente com o arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles, apresentou a obra é intitulada
“RATIO FECIT DIVERSUM” (Ensaios sobre a Abadia de Alcobaça) e fazendo parte das
grandes publicações do conjunto monacal.
O Professor
Catedrático Aires A. Nascimento, é autor de mais de 35 obras, cabendo-lhe a
ciência Codiologia nas Universidades Portuguesas e entregada nas ciências
filológicas.
O Prof. Aires
Nascimento subscreveu mais de 400 artigos em ensaios especializados.
Foi Prof. Catedrático
da faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Diretor do Centro de Estudos
Clássicos da mesma Faculdade.
É membro efetivo da
Academia de Ciência de Lisboa e membro de Mérito da Academia de História.
Após vários anos de
pesquisa e investigação apresentou a obra “O SECRIPTORIUM DE ALCOBAÇA” – O
Longo percurso do livro manuscrito português.
A cultura portuguesa
ficou grandemente enriquecida com as 2 obras referenciadas.
Honra ao mérito
“daqueles que por obras valorosas se levantam”.
Como nota de
reportagem registamos a participação do Pe. Belmiro Amorim, do Mosteiro do
Ermelo, tendo oferecido várias publicações relativas ao conjunto monacal
situado à beira do Rio Lima.
José Rodrigues Lima
938 583 275