A Bíblia aparece cheia de famílias, gerações, histórias de
amor e de crises familiares, desde as primeiras páginas onde entra em cena a
família de Adão e Eva, como seu peso de violência mas também com a força da
vida que continua (cf. Gn 4), até às últimas páginas onde
aparecem as núpcias da Esposa e do Cordeiro (cf. Ap21, 2.9).As duas
casas de que fala Jesus, construídas ora sobre a rocha ora sobre a areia
(cf. Mt 7, 24-27), representam muitas situações familiares,
criadas pela liberdade de quantos habitam nelas, porque – como escreve o poeta
– «toda a casa é um candelabro».[5]Ag
15. Sob esta luz, podemos ver outra dimensão da família.
Sabemos que, no Novo Testamento, se fala da «igreja que se reúne em casa» (cf. 1Cor 16,
19; Rm 16, 5; Col 4, 15; Flm 2).
O espaço vital duma família podia transformar-se em igreja doméstica, em local
da Eucaristia, da presença de Cristo sentado à mesma mesa. Inesquecível é a
cena descrita no Apocalipse: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir
a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele
comigo» (3, 20). Esboça-se assim uma casa que abriga no seu interior a presença
de Deus, a oração comum e, por conseguinte, a bênção do Senhor. Isto mesmo se
afirma no Salmo 128, que nos serviu de base: «Assim vai ser abençoado o homem
que obedece ao Senhor. O Senhor te abençoe do monte Sião!» (vv. 4-5).
16. A Bíblia considera a família também como o local da
catequese dos filhos. Vê-se isto claramente na descrição da celebração pascal
(cf. Ex 12, 26-27; Dt 6, 20-25) – mais tarde
explicitado na haggadah judaica –, concretamente no diálogo
que acompanha o rito da ceia pascal. Eis como um Salmo exalta o anúncio
familiar da fé: «O que ouvimos e aprendemos e os nossos antepassados nos
transmitiram, não o ocultaremos aos seus descendentes; tudo contaremos às
gerações vindouras: as glórias do Senhor e o seu poder, e as maravilhas que Ele
fez.
17. Os pais têm o dever de cumprir, com seriedade, a sua
missão educativa, como ensinam frequentemente os sábios da Bíblia (cf. Pr 3,
11-12;6, 20-22; 13, 1; 29, 17). Os filhos são chamados a receber e praticar o
mandamento «honra o teu pai e a tua mãe» (Ex 20, 12), querendo o
verbo «honrar» indicar o cumprimento das obrigações familiares e sociais em
toda a sua plenitude, sem os transcurar com desculpas religiosas (cf. Mc 7,
11-13).
18. O Evangelho lembra-nos também que os filhos não são uma
propriedade da família, mas espera-os o seu caminho pessoal de vida. Se é
verdade que Jesus Se apresenta como modelo de obediência a seus pais terrenos,
submetendo-Se a eles (cf. Lc 2, 51), também é certo que Ele faz
ver que a escolha de vida do filho e a sua própria vocação cristã podem exigir
uma separação para realizar a entrega de si mesmo ao Reino de Deus (cf. Mt 10,
34-37; Lc 9, 59-62).
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21. O próprio Jesus nasce numa família modesta, que à pressa
tem de fugir para uma terra estrangeira. Entra na casa de Pedro, onde a sua
sogra está doente (cf. Mc 1, 29-31), deixa-Se envolver no
drama da morte na casa de Jairo ou no lar de Lázaro (cf. Mc 5,
22-24.35-43; Jo 11, 1-44), ouve o pranto desesperado da viúva
de Naim pelo seu filho morto (cf. Lc 7, 11-15); atende o grito
do pai do epiléptico numa pequena povoação rural (cf. Mc 9,
17-27). Encontra-Se com publicanos, como Mateus ou Zaqueu, nas suas próprias
casas (cf. Mt 9, 9-13; Lc 19, 1-10), e também
com pecadoras, como a mulher que inv
A ternura do abraço
27. Como distintivo dos seus discípulos, Cristo pôs sobretudo a
lei do amor e do dom de si mesmo aos outros (cf. Mt 22,
39; Jo 13, 34), e fê-lo através dum princípio que um pai ou
uma mãe costumam testemunhar na sua própria vida: «Ninguém tem maior amor do
que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). Frutos do amor
são também a misericórdia e o perdão.
29. Com este olhar feito de fé e amor, de graça e
compromisso, de família humana e Trindade divina, contemplamos a família que a
Palavra de Deus confia nas mãos do marido, da esposa e dos filhos, para que
formem uma comunhão de pessoas que seja imagem da união entre o Pai, o Filho e
o Espírito Santo.
Mas «estamos conscientes da direcção que vão tomando as
mudanças antropológico-culturais, em razão das quais os indivíduos são menos
apoiados do que no passado pelas estruturas sociais na sua vida afectiva e
familiar».[11]
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