A Azeitonas e a Cereja
Diz a cereja:
- Azeitona, como amiga,
0 teu ser muito pesa;
Já vejo que pouco brilhas,
És feia de natureza.
Aqui está como eu brilho,
Vermelha e redondinha,}
Quanto deras, azeitona,
A tua cor ser a minha?
Sem o tempero do sal,
Nem o meu Deus te deseja!
Não preciso eu de tempero,
Quanto mais vale a cereja?
Tu, além da triste cor,
Não inculques no feitio;
No sabor és amargosa,
já não tens de que ter brio.
Que eu, logo ao romper da aurora,
Longe me vem arraiar,
Que me vem dar os bons-dias
Aos saltinhos, a cantar.
Sou a alegria das aves,
E dos jovens o encanto,
Até os mais inocentes
Comigo gastam seu tanto!
A toda a hora do dia
Me festejam passarinhos,
Cantando com alegria,
Socorrendo nos raminhos.
Azeitona:
- A tua mãe, ó cereja,
Só dura na Primavera;
Depois é um colete seco,
Toda a folha vai a terra.
E tu mesmo crias bichos,
Pois I a tua formosura;
Não duras mais de três dias,
Depois de que estas madura.
A minha mãe oliveira
Dura sempre florida;
Dura de Verão e de Inverno,
Até que no fim da vida.
Em meios civilizados
Tenho grande estimação;
Nunca perco o meu valor,
Quer de Inverno, quer de Verão.
Eu dou a luz ao moribundo
E estou pronta a servir,
Quando a alma, do corpo
Se aproximar a sair.
Cereja:
- Eu não estou, acredita,
Nem o posso entender,
Além de seres tão feia,
Tanto valor possas ter.
Azeitona;
- Tu verás no "framenino",
Damas feias e formosas,
Que muitas vezes as feias
Tem acções mais generosas.
Cereja;
- Desculpa, minha amiguinha,
Que eu já vejo que pequei,
Que por minha inocência
Foi que eu sem razão falei
Azeitona:
- Também tu, minha louquinha
Vieste de alta "vieira"
Falar sem considerar
É cair em grande asneira.
Cereja:
- Cá entre nos há remédios,
Escusamos de botica;
Tu és a mesma que eras
E eu a mesma que fica.
Azeitona;
- Cá entre nós há remédios.
E também muita virtude,
Amiguinhas como dantes,
Só te desejo saúde.
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